A falácia da teoria da mais-valia de Marx

Introdução

Os discípulos de Karl Marx afirmam que a maior conquista de seu mestre foi trazer à luz a importante “generalização” do mais-valor. Essa pretensa generalização, apresentada com grande alarde de demonstração “científica” nas páginas de O Capital, é, na realidade, o alicerce econômico do socialismo de Estado. É o pretexto apresentado pelos social-democratas como razão de ser, uma espécie de justificativa moral, para o estabelecimento dessa medida reacionária que, de forma eufemística, tem sido descrita como a propriedade coletiva dos meios de produção, troca e distribuição.

De passagem, temos ampla comprovação, a partir do estudo da Etnologia comparada, de que essa ideia de propriedade coletiva prevaleceu entre todos os povos primitivos, e há dados históricos suficientes para sustentar a conclusão de que somente após essa ideia cair em relativo desuso é que o progresso industrial e econômico se tornou possível. Além disso, é fácil rastrear a causa raiz da desigualdade econômica atual e de seus inúmeros males justamente nos resquícios dessa mesma ideia ainda sobrevivente, por meio da qual se permite que o Estado interfira nas atividades industriais do povo e impeça o acesso mais livre possível às oportunidades naturais de produção e consumo de riqueza. Não estaríamos, então, justificados em inferir que o ressurgimento do “coletivismo” nos dias de hoje nada mais é do que uma manifestação de atavismo social?

Marx sustenta que sua teoria do mais-valor fornece a chave para a distribuição desigual da riqueza. O objetivo deste tratado é expor o exagero de tal alegação e demonstrar — creio que pela primeira vez — que essa teoria do mais-valor está baseada em duas hipóteses antitéticas, em duas ideias que se excluem mutuamente. Mostrarei que a teoria do mais-valor de Marx contradiz por completo sua teoria do valor, da qual se pretende ser uma consequência lógica; pois a teoria do valor sustenta que o valor de uso de uma mercadoria não entra em seu valor de troca, ao passo que a teoria do mais-valor se apoia inteiramente na suposição contrária: de que é justamente a alienação do valor de uso pelo trabalhador de sua “mercadoria”, a força de trabalho, que permite ao capitalista aumentar seu valor de troca e, assim, adquirir um mais-valor.

Além disso, incluir a força de trabalho, como faz Marx, na categoria de mercadorias, é um claro vício de petição de princípio. Também nesse ponto ele se contradiz. Pois logo no início de seu livro ele nos diz, de maneira clara e inequívoca, que uma mercadoria é um objeto sobre o qual foi despendida força de trabalho. Em outro trecho, ele declara que uma mercadoria é essencialmente um portador de valor, e que “a força de trabalho humana em movimento, ou o trabalho humano, cria valor, mas não é em si mesmo valor. Torna-se valor apenas em seu estado congelado, quando incorporado na forma de algum objeto.” Ora, se o valor não é anterior ao produto do trabalho, como então pode se tornar uma qualidade da mera força de trabalho, permanece incompreensível. Descobriremos, além disso, que o “valor” da força de trabalho não passa de uma expressão figurada. Como disse Proudhon: “Quando, por uma espécie de elipse, dizemos o valor do trabalho, fazemos um enjambement, que não é de forma alguma contrário às regras da linguagem, mas que os teóricos deveriam evitar confundir com uma realidade. O trabalho, como a liberdade, o amor, a ambição, o gênio, é algo vago e indeterminado em sua natureza, mas qualitativamente definido por seu objeto — isto é, torna-se uma realidade por meio de seu produto. Quando, portanto, dizemos: o trabalho deste homem vale cinco francos por dia, é como se disséssemos: o produto diário deste homem vale cinco francos.” Quando Marx inclui a força de trabalho na lista de mercadorias, ele simplesmente confunde causa e efeito.

Para sustentar a extraordinária proposição de que a força de trabalho é uma mercadoria, e que seu valor é regido pela mesma lei que rege o das demais mercadorias, Marx não conseguiu apresentar um único fato ou argumento. Simplesmente tomou como certa a antiquada teoria dos salários apresentada por M. Turgot em suas Reflexões sobre a Produção e Distribuição da Riqueza, e posteriormente defendida por Ricardo1 — teoria à qual Lassalle deu a designação metafórica de “lei de bronze”. É absolutamente certo que essa teoria dos salários não possui fundamento nos fatos. Não é axiomático que o preço natural do trabalho seja o produto total do mesmo? Essa não é uma lei que, em teoria, não admite exceções? E se as necessidades de subsistência do trabalhador determinassem de fato o preço do trabalho, não deveríamos encontrar, em todos os tempos e lugares, uma escala uniforme de salários? Pois não são as necessidades de todos os trabalhadores praticamente as mesmas? Mas certamente não encontramos tal coisa. Como diz Adam Smith, “em quase todas as partes da Grã-Bretanha, há uma distinção, mesmo nas formas mais baixas de trabalho, entre os salários de verão e de inverno. Os salários de verão são sempre mais altos. Mas, por conta do gasto extraordinário com combustível, a manutenção de uma família é mais cara no inverno.” E como isso pode ser conciliado com a “lei de bronze”, se na Inglaterra e na América, onde a evolução econômica está mais avançada e os valores mais firmemente estabelecidos, os salários são mais altos, nominal e realmente, do que em países como China, Rússia, Espanha e Itália, que ficam para trás na marcha econômica? Segundo a teoria, os salários nestes primeiros deveriam ser mais baixos que nos últimos, ao passo que os fatos indicam exatamente o contrário. Mais ainda, é de se admitir que o trigo seja o alimento básico do trabalhador. Vejamos então os seguintes números. Segundo Tooke, o preço do trigo em 1812 era de 118 xelins por quarter, enquanto, segundo Mulhall, o salário médio semanal do operário era de 20 xelins. Em 1852, o trigo havia caído para 41 xelins por quarter, e ainda assim os salários permaneceram estáticos. Se a “lei de bronze” fosse verdadeira, os salários teriam caído pari passu — tanto mais que a queda de preços foi, em maior ou menor grau, generalizada.

Marx falhou em perceber os efeitos dos monopólios legais sobre os fenômenos econômicos normais e, por conseguinte, supôs que a exploração do mais-valor devia-se à propriedade privada da terra e do capital. Com base nessa suposição, concluiu que a introdução generalizada da maquinaria era a responsável direta pela falta de emprego e pela concorrência entre os trabalhadores, fatores que operariam no sentido de reduzir os salários ao “nível de subsistência”. Mais uma vez, aqui ele está claramente equivocado. Pois foi somente após a introdução das máquinas que o padrão de conforto do trabalhador (os salários reais) se elevou de forma sensível; sua maior capacidade de consumo se deve quase inteiramente àqueles milagres mecânicos, àquelas engrenagens e rodas incansáveis, que provocaram revoluções gloriosas no mundo industrial, tornando o trabalho mais produtivo e a riqueza mais abundante. Em meados do século XVIII, quando Arkwright introduziu seu tear na indústria de fiação, havia 5.000 pessoas empregadas na roda de fiar. Hoje são 500.000 pessoas empregadas nessa indústria. Eis aí a evidência de um aumento na demanda por trabalho cem vezes maior, apenas nesse ramo, graças à maquinaria; o que se explica pelo aumento de produtividade que reduz os preços, amplia o campo de consumo e, por sua vez, torna possível esse emprego adicional de força de trabalho.

Nos capítulos seguintes, tentarei demonstrar que toda a linha de raciocínio de Marx foi comprometida por uma ignorância acerca do papel do dinheiro na distribuição.

I — Sobre as Mercadorias e a Natureza do Valor

Devemos agora considerar aquela misteriosa trindade em unidade — valor de uso, valor de troca e mais-valor. Dado que o escopo destas páginas se limita a uma refutação da teoria do mais-valor formulada por Karl Marx, abordarei apenas os capítulos de O Capital que a necessidade do caso exigir, e, ao citá-los, utilizarei a tradução inglesa feita por Samuel Moore e Edward Aveling a partir da terceira edição alemã.

Marx inicia o primeiro capítulo do primeiro volume com a observação de que a soma total da riqueza na sociedade capitalista é uma imensa coleção de mercadorias, sendo a mercadoria individual sua forma elementar. Em seguida, com razão, aponta que, para se descobrir as leis que regem a distribuição da riqueza, é necessário primeiro analisar a unidade elementar — e imediatamente passa a submeter a mercadoria a uma dissecação teórica.

Ele diz: “Uma mercadoria é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de algum tipo… A utilidade de uma coisa a torna um valor de uso.” Trata-se de um objeto, afirma ele, sobre o qual foi despendido trabalho humano e que, ao mesmo tempo, possui a qualidade de satisfazer alguma necessidade humana — real ou imaginária. Essa última qualidade, seguindo Adam Smith, ele chama de valor de uso da mercadoria, em contraposição ao valor de troca. Logo, ar, água e luz solar são indispensáveis; no entanto, como nada custam ao trabalhador, por serem produções livres e espontâneas da natureza, não possuem qualquer valor de troca.

Além disso, uma coisa pode ser útil, e também produto do trabalho, e ainda assim não ser uma mercadoria. Pois o objetivo da produção de mercadorias é a troca, e, consequentemente, não basta que elas tenham utilidade para o produtor direto; devem ter um valor de uso social, ou seja, utilidade para outros.

Uma mercadoria é, portanto:

  1. Um objeto dotado de utilidade social; e
  2. Um objeto sobre o qual foi despendido trabalho.

Marx segue então para demonstrar que é o trabalho — e somente ele — o elemento comum a toda a gama de mercadorias, e que é o trabalho que fixa, por uma lei geral, a relação de valor de troca entre uma mercadoria e outra. A utilidade social da mercadoria, segundo ele, apenas determina sua permutabilidade, ao passo que seu valor de troca é regido pela quantidade de trabalho necessário à sua produção.

Mas o que se entende por quantidade de trabalho? O trabalho é uma quantidade abstrata. De onde surge, então, uma unidade de medida? As aptidões dos homens são tão variáveis que um homem pode produzir, em um dia, um resultado concreto que outro levaria dois dias para alcançar.

Marx diz:

“A força de trabalho total da sociedade, que está incorporada na soma total dos valores de todas as mercadorias produzidas por essa sociedade, conta aqui como uma massa homogênea de força de trabalho humano, embora composta por inúmeras unidades individuais. Cada uma dessas unidades é igual às demais, desde que tenha o caráter da força de trabalho média da sociedade, e atue como tal; ou seja, desde que não requeira mais tempo que o necessário, em média — não mais do que o socialmente necessário — para produzir uma mercadoria.”

Marx afirma em seguida que “a quantidade de trabalho… é medida por sua duração, e o tempo de trabalho, por sua vez, encontra seu padrão em semanas, dias e horas.”2

Aqui Marx contorna a questão. Força de trabalho e tempo de trabalho são conceitos totalmente distintos. Uma semana, um dia ou uma hora podem constituir uma unidade-padrão de tempo, mas não de força de trabalho. Tentar medir o dispêndio de energia vital com o mostrador de um relógio equivale a tentar medir um quilo de batatas com uma vara de medir. Não é meu intuito, entretanto, criticar a teoria do valor de Marx em si. Para os fins de expor a contradição entre sua teoria do valor e a do mais-valor, aceitarei a teoria do valor como premissa. Contudo, devo observar aqui que há uma diferença abismal entre tempo de trabalho e força de trabalho como unidade. Marx parece estar completamente inconsciente de que tal diferença sequer exista.

O valor de troca de uma mercadoria, diz Marx, é medido pela quantidade média de tempo de trabalho despendido em sua produção; e, enquanto seu valor varia em proporção direta à quantidade de tempo de trabalho, varia em proporção inversa à produtividade do trabalho ali incorporado. Assim, se o valor de troca de uma mercadoria for representado por V, e a quantidade de tempo de trabalho por T, então V varia como T (V ∝ T). Por outro lado, se a produtividade do trabalho for representada por P, quanto menor P na produção de uma mercadoria, maior será T, e, portanto, maior será V. O contrário também é verdadeiro: quanto maior P, menor será T, e, logo, menor será V. Portanto, V varia não diretamente, mas inversamente a P (V ∝ 1/P).

A forma elementar do valor de troca é expressa na relação de uma mercadoria com outra, de espécie distinta, mas de valor igual. Por exemplo: suponha que xA represente 20 jardas de linho e yB represente 1 casaco, e que xA = yB. O valor das 20 jardas de linho é, assim, expresso por 1 casaco. Essa equação é obtida pela estimativa de que a mesma quantidade e qualidade média de trabalho foi incorporada em cada produto: todas as demais condições sendo iguais, descobriu-se que o mesmo tempo total de trabalho entrou, respectivamente, em sua produção. A é a forma relativa, enquanto B é a forma equivalente do valor. A troca entre A e B, como formas relativa e equivalente, não altera a equação.

Consideremos agora a forma desenvolvida da relação de valor: 20 jardas de linho = 1 casaco, ou = 10 libras de chá, ou = 40 libras de café, ou = 1 quarter de trigo, ou = 2 onças de ouro, ou = ½ tonelada de ferro, ou = etc. Pelo mesmo processo de comparação, o valor das 20 jardas de linho é agora expresso por quantidades determinadas de várias outras mercadorias.

Se considerarmos a relação inversa dessa forma desenvolvida, teremos as seguintes equações:

Os valores de todas as mercadorias são agora expressos por uma única mercadoria, xA, que foi teoricamente transformada no equivalente universal. Aqui temos o embrião da ideia de dinheiro. Qualquer uma das mercadorias poderia figurar como equivalente universal, mas o ouro acabou sendo eleito para esse papel.

Devemos, portanto, considerar em seguida a forma monetária, ou de preço, da relação de valor:

Diz Marx: “O ouro é agora dinheiro em relação a todas as outras mercadorias apenas porque anteriormente, em relação a elas, era uma simples mercadoria.”
Sem dúvida; e dado que o soberano3 é apenas o nome de uma quantidade definida, como unidade, de ouro com 11/12 de pureza (123 27447 grãos), duas onças de ouro podem, doravante, representar aproximadamente £8. Podemos, então, variar a última série de equações da seguinte forma:

Claro. Aqui está a tradução integral e fiel dos trechos fornecidos, com o máximo de precisão, preservando o estilo, a clareza e a argumentação original do autor. O texto está em um português claro, objetivo e formal, ideal para estudo acadêmico:

II. — A Teoria da Troca

Como vimos, a troca é uma relação social. Se um produtor oferece mercadorias à venda, é porque estas não possuem utilidade especial para ele, mas sim para outros. Se, portanto, ele se desfaz dessas mercadorias pelo preço que representa seu custo de produção, é porque ele pode, com o dinheiro obtido, comprar outras mercadorias que possuem para ele uma utilidade especial — também elas ao custo de produção.

Seria supérfluo acompanhar aqui toda a evolução da troca que Marx delineia neste capítulo, visto que sua veracidade em nada afeta nossa investigação sobre a origem da mais-valia. Basta dizer que, à medida que a troca se estende além de limites estreitos e amplia seu campo de operação, o tempo de trabalho vai se constituindo de forma cada vez mais definida, e a forma monetária passa naturalmente para aquelas mercadorias mais aptas a desempenhar as funções do dinheiro — em suma, para os metais preciosos.

Diz Marx:
“Até este ponto, porém, conhecemos apenas uma função do dinheiro, a saber, servir como forma de manifestação do valor das mercadorias, ou como o material no qual as magnitudes de seus valores são socialmente expressas. Uma forma adequada de manifestação do valor, uma encarnação apropriada do trabalho humano abstrato, indiferenciado e, portanto, igual, só pode ser aquele material cujas amostras exibam sempre as mesmas qualidades uniformes. Por outro lado, como a diferença entre magnitudes de valor é puramente quantitativa, a mercadoria-dinheiro deve permitir apenas diferenças quantitativas, devendo, portanto, ser divisível à vontade e igualmente capaz de ser reunida novamente. Ouro e prata possuem essas propriedades por natureza.”

Marx demonstra aqui uma rara percepção das condições necessárias para um padrão de valor ou expoente monetário. Mas até aqui ele considerou apenas uma das funções do dinheiro: a de equivalente universal, que nos permite comparar e expressar o valor de todas as mercadorias em termos de uma delas.

Como vimos, não é o dinheiro que torna as mercadorias comensuráveis, mas sim a comensurabilidade de todas as mercadorias — enquanto expressões visíveis e concretas do trabalho humano médio — que permite que uma delas, por exemplo o ouro, assuma o papel de equivalente universal.

A expressão do valor de uma mercadoria na linguagem desse equivalente universal é seu preço. Daí resulta que o próprio dinheiro não possui preço. Sua relação de valor, no entanto, permanece inalterada.

“Como medida de valor”, diz Marx, “e como padrão de preço, o dinheiro desempenha duas funções completamente distintas. É a medida de valor na medida em que é a encarnação socialmente reconhecida do trabalho humano; é o padrão de preço na medida em que é um peso fixo de metal.” Que essas são funções separadas e distintas é algo completamente insustentável, pois a segunda função inclui necessariamente a primeira; o objetivo da primeira só é alcançado por meio da segunda. Mas não vamos discutir por meras palavras. Como medida de valor, então, o ouro converte toda a gama de mercadorias em preços monetários — em quantidades ideais de ouro equivalentes.

Ninguém refutou com mais eficácia aquela estupidez financeira que afirma que o dinheiro ideal pode dispensar uma unidade de mercadoria. “Embora o dinheiro”, diz ele, “que desempenha as funções de medida de valor, seja apenas um dinheiro ideal, o preço depende inteiramente da substância real que é o dinheiro. O valor — ou seja, a quantidade de trabalho humano contida em uma tonelada de ferro — é expresso, na imaginação, por uma quantidade da mercadoria-dinheiro que contém a mesma quantidade de trabalho que o ferro.”

Não importa quanto ou quão pouco o valor do ouro possa variar, diferentes quantidades de ouro devem manter para sempre a mesma proporção entre si. Toda mudança no valor do ouro afeta todas as mercadorias igualmente e, portanto, não altera seus valores relativos, ainda que outras mercadorias sejam expressas em preços de ouro mais altos ou mais baixos.4 O ouro como padrão ou medida de valor só é um problema quando ele também é meio de troca — ou seja, quando contratos e dívidas precisam ser liquidados em somas fixas de ouro, sem levar em conta qualquer flutuação no seu valor entre o momento da celebração do contrato e o seu cumprimento.

III. — A Dupla Função do Dinheiro

O que Marx deixou completamente de lado foi o fato de que, ao ser adotado como meio de troca, o ouro passou a possuir um atributo inteiramente novo, que, por si só, ele não continha. Como simples mercadoria, seu consumo era restrito às artes. Não havia demanda geral por ele. Mas todos querem dinheiro. A demanda por ele é universal. Ele é uma necessidade do nosso sistema complexo de produção e troca. E, como o suprimento de ouro é muito limitado, e desproporcional à demanda por ele como dinheiro, seu poder de compra é enormemente aumentado, sem qualquer relação com seu valor de troca normal ou com seu custo de produção.

Assim que o ouro recebe a importante distinção de ser o único meio legal de pagamento de dívidas, torna-se obrigatório que toda mercadoria seja primeiramente trocada por ouro antes que qualquer outra mercadoria necessária possa ser adquirida. Os detentores de ouro, dessa forma, ganham o poder de cobrar um pedágio sobre as trocas. C—O—C torna-se agora a fórmula geral para a troca de mercadorias, em vez de C—C. C—O, portanto, é uma venda; O—C, uma compra; a circulação total de mercadorias na sociedade não passa de uma repetição desse processo.

Marx, além disso, confundiu dinheiro ideal com dinheiro real, isto é, o ouro como medida de valor e como meio de troca, ao considerar o efeito do dinheiro sobre a circulação de mercadorias. Esse erro de raciocínio o levou a outro, a saber: que a quantidade de dinheiro é sempre responsiva às exigências da circulação de mercadorias.

“O valor das mercadorias”, diz ele, permanecendo constante, “seus preços variam com o valor (o itálico é meu) do ouro (a matéria do dinheiro), subindo na proporção em que este cai, e caindo na proporção em que este sobe. Ora, se, em consequência de tal subida ou queda no valor do ouro, a soma dos preços das mercadorias cair ou subir, a quantidade de dinheiro em circulação deve cair ou subir na mesma medida. A mudança na quantidade do meio circulante é, neste caso, é verdade, causada pelo próprio dinheiro, mas não em virtude de sua função como meio de circulação, e sim como medida de valor.”

Raciocínio tão tortuoso como esse é bem capaz de levar seu autor ao pântano da sofística, onde logo o descobriremos. Embora seja inegavelmente verdade que uma alta no valor do ouro reduzirá os preços das mercadorias em geral, e vice-versa, é igualmente verdadeiro que o mesmo resultado pode ser obtido mediante a retirada ou aumento não só da quantidade de ouro em circulação, mas também de instrumentos de crédito. Para aumentar o valor de troca, isto é, o poder de compra do ouro circulante, basta restringir sua oferta, ao passo que qualquer adição ao seu volume, mantidas as demais condições, reduzirá seu valor de troca ou poder de compra. Marx ingenuamente supôs que qualquer retirada ou aumento de ouro circulante só poderia resultar de uma alta ou baixa em seu custo de produção.

Suponhamos uma soma total determinada de trocas de mercadorias em um dado período. Suponhamos também que a quantidade de ouro circulante seja determinada apenas pelo número de trocas que cada unidade de ouro consegue realizar. Que o número total de trocas seja representado por £1000, e a quantidade de ouro por £100, ou seja, que a relação entre dinheiro e mercadorias seja de 1 para 10. Os preços das mercadorias certamente, nesse caso, serão expressos pela quantidade de ouro. Cada soberano, em média, manterá uma relação inseparável com dez vezes seu valor em mercadorias gerais. Agora, se £50 de ouro forem subitamente retiradas de circulação: os preços das mercadorias totais, nesse caso, só figurarão como £500 em vez de £1000 como anteriormente, o que permitirá à classe financeira adquirir mercadorias gerais pela metade de seu preço anterior, embora nem o ouro nem as mercadorias em geral tenham variado minimamente em seu valor, ou melhor, em seu custo de produção.

“Se a massa de mercadorias permanecer constante,” diz Marx, “a quantidade de dinheiro circulante varia com as flutuações nos preços dessas mercadorias.” Ele está claramente em erro; e é fácil provar que o oposto é que é verdadeiro. Os preços das mercadorias só podem ser expressos por uma quantidade determinada de ouro em circulação, ou por meio de papel lastreado em ouro que não está em circulação. E as flutuações nos preços das mercadorias gerais apenas registram as flutuações na quantidade de ouro ou papel em circulação, se assumirmos, com Marx, que não apenas a massa, mas também o valor dessa massa de mercadorias, permanece constante. Se, por outro lado, a massa permanece constante e seu valor aumenta em 50%, totalizando, digamos, £1500, então a quantidade de dinheiro (ouro ou papel) necessária para efetuar sua troca, conforme nossa ilustração teórica, será de £150. E se essas £50 adicionais não entrarem em circulação, é evidente que uma de duas coisas ocorrerá: ou a massa total de mercadorias não será trocada, ou seu preço total será forçado a voltar ao nível original de circulação. Aqueles de nós que somos homens de negócio de fato, e não meros teóricos, sabemos perfeitamente bem o quanto Marx está irremediavelmente errado. Ele entendeu claramente o seguinte: que a troca da soma total de mercadorias depende de um volume determinado de dinheiro, proporcional à sua velocidade de circulação — mas nunca pareceu lhe ocorrer que a quantidade real de dinheiro em circulação não mantém qualquer relação natural ou adequada com a massa de mercadorias que precisa ser trocada. Todos sabem a que proporções tremendas o crédito moderno chegou, por nenhuma outra razão senão a incapacidade da produção de ouro de acompanhar a produção e, portanto, a troca de todas as demais mercadorias combinadas, desde a introdução da maquinaria.

Marx parece ter ficado deslumbrado com os colossais movimentos do crédito moderno e viveu sob a evidente ilusão de que sua base em ouro desempenhava papel muito insignificante na distribuição da riqueza. Ele deixou completamente de perceber, ou não entendeu, o fato de que todos os instrumentos de crédito não são apenas subsidiários, mas tributários ao ouro, e que toda transação comercial dessa natureza tem um pedágio cobrado pela classe financeira equivalente à taxa de juros — esteja o ouro presente ou não.5

Não se deve esquecer, além disso, que o volume de crédito mantém certa relação subjetiva com a quantidade de moedas de ouro, ou de ouro em barras, pronto para cunhagem. Como disse John Law: “O crédito que promete o pagamento em dinheiro não pode ser estendido além de uma certa proporção que ele deve ter com o dinheiro.” Não é evidente que, se assim não fosse, poderíamos dispensar o ouro por completo, mesmo sob o atual sistema monetário?

A partir da meia-verdade de que os preços variam de acordo com o valor do ouro, Marx imaginou que a quantidade de dinheiro em circulação depende da soma total das trocas de mercadorias. “A lei”, diz ele, “segundo a qual a quantidade do meio circulante é determinada pela soma dos preços das mercadorias em circulação, e pela velocidade média da moeda, pode ser também expressa da seguinte forma: dada a soma dos valores das mercadorias, e a rapidez média de suas metamorfoses, a quantidade de metal precioso em circulação como dinheiro depende do valor desse metal precioso.” Mas isso é raciocinar em círculo. É absurdo supor que se pode assumir uma soma de valores de mercadorias, e suas médias de troca, sem uma referência direta ao dinheiro em termos do qual esses valores e essas trocas só podem ser expressos. Se, no entanto, a proposição de Marx for entendida como uma secundária, ela é verdadeira. Pois, se a quantidade de dinheiro em circulação ou disponível para circulação determinou primeiro o número de trocas a serem realizadas, então certamente segue-se que o dinheiro circulante é proporcional a essas trocas. Marx confundiu causa e efeito.

“Mas”, diz ele, “a opinião errônea de que os preços são determinados pela quantidade do meio circulante, e de que este depende da quantidade de metais preciosos em um país, foi baseada por aqueles que primeiro a sustentaram na hipótese absurda de que as mercadorias não têm preço, e o dinheiro não tem valor, quando entram pela primeira vez na circulação, e que, uma vez na circulação, uma parte alíquota da miscelânea de mercadorias é trocada por uma parte alíquota da pilha de metais preciosos.” Se essa é uma opinião errônea, Marx falhou completamente em sua tentativa de refutá-la. Tampouco essa opinião se origina da hipótese de que mercadorias e dinheiro se encontram, a princípio, sendo as primeiras sem preço e o segundo sem valor; além disso, sua veracidade é evidente na experiência cotidiana. Pergunte a qualquer comerciante quando os preços estão baixos: ele responderá, quando há escassez de dinheiro ou quando este circula lentamente — em resumo, quando não circula livremente. Quando altos? Quando há abundância de dinheiro.6

Em estágio anterior de sua investigação, o próprio Marx declarou que mercadorias simples em circulação estão de fato sem preço até que uma delas, por exemplo, o ouro, figure como equivalente universal. Por outro lado, nenhum defensor da teoria quantitativa da moeda, tanto quanto sei, jamais sustentou a opinião de que o ouro não possui ou não possuía valor. O detentor de tal opinião não passa de um espantalho criado especialmente por Marx. Num mercado livre e normal, onde a demanda e oferta de mercadorias gerais, incluindo o ouro, estejam aproximadamente equilibradas, o ouro e as outras mercadorias trocar-se-ão com base em seu valor normal, ou custo de produção. O que se sustenta, no entanto, é que, uma vez que o ouro é instituído como meio exclusivo por meio do qual a troca de todas as demais mercadorias é possível, então a demanda por ouro torna-se tão grande quanto a soma da demanda por todas as demais mercadorias combinadas; isto é, instaura-se uma demanda súbita por uma quantidade de ouro cujo valor iguale o da soma total de mercadorias a serem trocadas em um dado tempo. É claro que o consumo das mercadorias permite que essa quantidade de ouro realize o mesmo número de trocas uma segunda vez, e assim por diante, até que o ouro se desgaste. Mas, se essa proporção natural entre a oferta de dinheiro e a demanda por ele não for mantida, o poder de compra do dinheiro será totalmente desproporcional ao seu valor normal. Enquanto seu custo de produção permanecerá o mesmo, seu valor de troca, isto é, seu poder de compra, subirá, e na proporção da intensidade da demanda. Marx supôs que o valor de troca do ouro como simples mercadoria (antes de sua adoção como dinheiro) era idêntico ao poder de compra do ouro como dinheiro. E, para manter sua tese, foi logicamente forçado a negar que o dinheiro esteja de algum modo sujeito à lei da oferta e da demanda — o que representa a reductio ad absurdum de sua posição.

IV. — A Teoria do Capital

“A forma mais simples da circulação de mercadorias”, diz Marx, “é M–D–M: a transformação de mercadorias em dinheiro e a reconversão do dinheiro em mercadorias; ou seja, vender para comprar. Mas ao lado dessa forma encontramos outra, especificamente diferente: D–M–D, a transformação de dinheiro em mercadorias e a reconversão de mercadorias em dinheiro; ou seja, comprar para vender. O dinheiro que circula dessa forma transforma-se, torna-se capital, e já é potencialmente capital.”

Não se pode alegar seriamente que o capital tem origem apenas na forma de circulação D–M–D. Em M–D–M, temos o circuito simples da mercadoria — a troca definida de uma mercadoria por outra, mediada por dinheiro. É pueril fingir que, em D–M–D — a troca de dinheiro por dinheiro por meio de uma mercadoria — há uma forma de circulação essencialmente diferente, ou que isso é algo além de uma fase conectada da mesma forma. Mas, diz Marx, “é evidente que o circuito D–M–D seria absurdo e sem sentido se a intenção fosse trocar, por esse meio, duas quantias iguais de dinheiro, £100 por £100.” Contudo, em um mercado livre, seria impossível trocar uma mercadoria por mais dinheiro do que ela custou, salvo em circunstâncias excepcionais. No entanto, é isso o que Marx tenta afirmar. “Se eu compro 2000 libras de algodão”, diz ele, “por £100, e revendo essas 2000 libras por £110, de fato troquei £100 por £110.” Sem dúvida — mas muito depende daquele pequeno “se”, e a economia política não é ciência de adivinhações.

Pode acontecer, como de fato ocorre com frequência, que um intermediário conheça um mercado para algodão do qual o produtor real não tem ciência e, com base nesse conhecimento superior ou acidental sobre mercados, consiga obter um lucro de £10 ao negociar entre vendedor e comprador. Mas não há obrigação moral para que os intermediários forneçam mercados aos vendedores de mercadorias gratuitamente, assim como capitalistas não estão moralmente obrigados a prover trabalhadores com meios de produção sem receber nada em troca.

Não devemos, nem por um instante, supor que o capital não existia antes da chamada era capitalista, ou que ele não existia antes da invenção do dinheiro. Portanto, se a suposição de Marx estiver correta — de que o capital resulta da circulação — por que deveríamos assumir que ele resulta da fase D–M–D e não da M–D–M? Comprar barato e vender caro é um lugar-comum, mas o inverso não é igualmente verdadeiro? Também não é um lugar-comum dizer que comprar é uma coisa e vender é outra?

“Uma quantia de dinheiro se distingue de outra apenas por seu valor”, diz Marx. “O caráter e a tendência do processo D–M–D, portanto, não se devem a qualquer diferença qualitativa entre seus extremos — ambos sendo dinheiro — mas somente à diferença quantitativa.” Isso não é igualmente verdadeiro para a mercadoria? Há alguma diferença qualitativa nas 2000 libras de algodão compradas por £100 e as compradas por £110? “Mais dinheiro”, diz Marx, “é retirado da circulação no fim do que foi lançado nela no início.” De forma alguma; ele apenas mudou de mãos. “O algodão que foi comprado por £100”, diz Marx, “é talvez revendido por £110. A forma exata desse processo é então D–M–D, onde D’ = D + ΔD = a quantia original acrescida de um incremento. O incremento ou excesso sobre o valor original eu chamo de ‘mais-valia’.”

Aqui, Marx inconscientemente expõe o verdadeiro processo da criação da mais-valia. Mas, em consequência de uma suposição absurda de sua parte — a de que seria possível para todo produtor vender sua mercadoria por £10 a mais do que seu valor — ele conclui que o problema ainda não foi resolvido.

V. — Contradição da Teoria do Capital

Marx passa a apontar a discrepância entre teoria e fato. Na teoria, diz ele, a mais-valia não pode surgir da simples circulação, e ainda assim, por outro lado, sabemos que ela não surge fora da circulação. Chegamos, então, a esta magnífica exibição de lógica: “Ela deve ter origem tanto na circulação quanto fora dela.”!

A questão agora é: se a mais-valia não surge da mera circulação de mercadorias (e vimos que sua existência contradiz todas as leis previamente consideradas que regulam o valor das mercadorias e sua troca), de onde ela vem? Um problema semelhante confundiu a própria Topsy.

Sabemos muito bem que, se equivalentes são trocados, não pode haver mais-valia de um lado nem valor negativo do outro. Marx passa a examinar o caso hipotético7 de uma troca não equivalente.

Ele diz: “Suponha que, por algum privilégio inexplicável, o vendedor consiga vender suas mercadorias acima de seu valor — algo que vale 100 por 110, com um aumento nominal de 10% no preço. O vendedor então embolsa uma mais-valia de 10. Mas, após vender, ele se torna comprador. Um terceiro proprietário de mercadorias lhe aparece agora como vendedor, que também goza do privilégio de vender suas mercadorias 10% acima do valor. Nosso amigo ganhou 10 como vendedor apenas para perdê-los como comprador. O resultado líquido é que todos os proprietários de mercadorias vendem uns aos outros por 10% acima do valor — o que equivale exatamente a dizer que venderam pelo valor verdadeiro.”

Não é necessário argumentar muito para mostrar que a mais-valia não pode, de modo algum, surgir da troca de equivalentes. Isso é evidente por si só. Tampouco se pode negar, com ou sem Marx, que a mais-valia só surge da troca de não equivalentes. Portanto, ao descartar a ideia de que a mais-valia realmente surge da troca de não equivalentes, Marx não compreendeu o problema da mais-valia — muito menos forneceu sua solução. É claro que, se todos os produtores vendem suas mercadorias por 10% acima de seu valor, isso equivale a dizer que venderam pelo valor verdadeiro, já que o valor é essencialmente uma relação. Mas aqui Marx simplesmente contorna a questão.

Para demonstrar que a mais-valia surge da troca de valores equivalentes, Marx teria que atribuir ao termo excedente (surplus) um significado totalmente diferente daquele que ele tem em álgebra.

De fato, é isso que ele faz — e por isso todas as suas alegadas demonstrações algébricas não têm validade. O termo excedente, usado nesse contexto, necessariamente implica uma relação de déficit do outro lado. Na troca de 100 por 100, 100 = 100 — é matematicamente impossível que isso se transforme em 100 = 110 por qualquer explicação teórica. A equação só pode ser assim:

A conclusão é, portanto, irresistível — e até mesmo o mais jovem dos escolares poderia ter corrigido Marx nisso: se na troca de dois valores há um excedente de 10% de um lado, há um déficit de 10% do outro.

Em vez de fazer qualquer tentativa para demonstrar a proposta absurda de que a mais-valia surge na troca de equivalentes (na qual ele provavelmente sentia sua própria fraqueza), Marx tenta transferir o ônus da prova completamente, chamando à consideração alguma objeção hipotética a essa proposta.

“Para serem coerentes,” diz ele, “os defensores da ilusão de que a mais-valia tem origem em um aumento nominal de preços ou no privilégio do vendedor de vender mais caro, devem assumir a existência de uma classe que apenas compra e não vende — isto é, que apenas consome e não produz. A existência de tal classe é inexplicável a partir do ponto de vista a que chegamos até agora, ou seja, o da circulação simples.”

Aqui, Marx se entrega. Ele mudou completamente de posição. Em primeiro lugar, ele não estava tratando da circulação simples, mas sim da circulação de mercadorias com a mediação do dinheiro — algo completamente distinto. É verdade que ele tratava o dinheiro como uma mercadoria simples, mas, como vimos, nisso ele cometeu uma suposição que só alguém com conhecimento incompleto do assunto monetário poderia cometer. O ponto de vista atingido era o da circulação de mercadorias por meio do dinheiro. Lembremos que a mais-valia só aparece quando o dinheiro entra em cena. Mas a visão de Marx estava turvada por preconceitos demais para perceber a total importância desse fato.

A teoria marxista exclui os elementos de renda fundiária, juros e lucros da categoria de valor. A renda é atribuída ao monopólio legal da posse da terra, e os juros ao monopólio do capital (Marx aqui confunde capital e dinheiro — isto é, a coisa adquirida e o meio de aquisição). Ele não entendeu que os lucros dependem inteiramente dos juros, exceto quando resultam de uma vantagem (mental ou outra) que seu receptor possui sobre o produtor marginal. A suposição de que os juros se devem a qualquer outra forma de capital que não seja o crédito monetário é inaceitável. É somente esta forma específica de capital — por meio da qual todas as outras formas de capital podem ser obtidas — que comanda um ágio conhecido como juro. A ação da concorrência sobre todas as outras formas de capital torna impossível que elas exijam esse tipo de ágio. Quem já ouviu falar de um carrinho de mão sendo investido a 5% ao ano? Bastiat tentou, inutilmente, defender proposição semelhante. Mas ele nunca sustentou, como Marx e eu sustentamos em comum, que o valor das mercadorias varia em proporção inversa à produtividade do trabalho.

No entanto, Marx sustenta seriamente que os recebedores de renda e juros não constituem “uma classe que apenas compra e não vende, ou seja, apenas consome e não produz”? Afirmar que tal classe (sem falar de uma classe igualmente numerosa de funcionários e pensionistas do Estado) é inexplicável do ponto de vista alcançado é puro escapismo. Além disso, patentes, direitos autorais, licenças, tarifas ou impostos alfandegários, e restrições protecionistas em geral explicam facilmente o fato de que um produtor pode vender seu produto acima do preço justo enquanto outro não tem esse privilégio.

Ora, como o consumidor está inteiramente nas mãos do produtor, este pode — dependendo da intensidade da demanda por seu produto — aumentar os preços o quanto quiser. O corretivo real é a concorrência entre produtores. O produtor, é claro, precisa elevar o preço dos produtos que vende acima do custo do trabalho de vendê-los, a fim de se compensar do aluguel, impostos etc. da loja ou depósito, e também dos juros sobre o dinheiro, se for emprestado, que financiou seu capital ou estoque. Mas, como deseja naturalmente girar seus produtos, ele é forçado, pelas circunstâncias, a oferecê-los por um preço compatível com o poder de compra dos clientes. Se ele for um distribuidor propriamente dito, e os produtores forem seus únicos clientes, então os preços das mercadorias serão, graças à concorrência, representativos de seu custo de produção e distribuição. Contudo, como já dissemos, há outra classe que não trabalha e vive de renda, juros e impostos. Consequentemente, os preços, mesmo quando reduzidos ao mínimo pela concorrência, não são governados pelos salários dos produtores e distribuidores, mas pela soma de salários, renda, juros (e lucros a eles atrelados) e impostos.

VI — A Força de Trabalho como Mercadoria

Revisando suas conclusões anteriores, Marx afirma que a origem da mais-valia não se encontra no dinheiro. Segue-se, portanto, diz ele, que a mudança de valor expressa na fórmula M—C—M + mais-valia, surge das próprias mercadorias. Ela não pode ser efetuada na fase C—M do circuito M—C—M. Deve, portanto, ser efetuada em M—C, e em C, já que não ocorre em M.

É admissível, no âmbito da lógica dedutiva, afirmar como conclusão correta aquela que é apresentada como uma entre duas ou mais alternativas, quando essa é incompatível com as demais, e estas são provadas como erradas. Mas quando o teórico omite de consideração um fator importante no caso (isto é, a diferença entre o valor normal do ouro como uma simples mercadoria e seu poder de compra como dinheiro) que, se incluído, não teria justificado a proposição de tais alternativas, então há uma diferença. A mudança de valor não se origina no dinheiro, diz Marx, e “somos, portanto, forçados à conclusão de que a mudança se origina no valor de uso, como tal, da mercadoria, ou seja, em seu consumo.”

Naturalmente, supor-se-ia que o consumo de uma mercadoria, em vez de ser uma fonte de mais-valia na troca, ocasionaria a extinção total do valor. Se eu compro um par de botas pelo preço de mercado e as desgasto completamente, corpo e sola, estou certo de que teria alguma dificuldade em vender seus restos por mais do que paguei originalmente. Se eu compro um bife e, com mais ou menos dificuldade, consigo digeri-lo, estou positivo de que seu valor de troca é coisa do passado, para não falar de uma mais-valia. Por que extraordinária aberração da natureza, então, o consumo do valor de uso de uma mercadoria pode dar origem à mais-valia?

Deixemos Marx explicar. “Para poder extrair valor do consumo de uma mercadoria, nosso amigo, o Capitalista, deve ter a sorte de encontrar, dentro da esfera da circulação, no mercado, uma mercadoria cujo valor de uso possua a peculiar propriedade de ser uma fonte de valor, cujo consumo real seja, portanto, a própria incorporação de trabalho, e, consequentemente, uma criação de trabalho. O possuidor de dinheiro (meu itálico) encontra no mercado tal mercadoria especial na capacidade de trabalho ou força de trabalho.”

Preposteroso! Esta fábula de Marx eclipsa completamente a fábula da Fênix! Tendo procurado em vão por uma mercadoria comum cujo consumo seja uma reencarnação de si mesma com um excedente adicional, ele não pôde fazer nada melhor do que inventar uma para esse propósito específico, homem de recursos que era. Força de trabalho uma mercadoria! Que ultraje à razão!

Marx já nos levou às seguintes conclusões:

(I.) Que uma mercadoria é um objeto sobre o qual o trabalho (a aplicação da força de trabalho) foi despendido;
(II.) Que o valor de uso de uma mercadoria não entra em seu valor de troca.

I. Como pode a força de trabalho ser classificada como uma mercadoria segundo a própria exposição de Marx? Se o trabalho é um efeito da força de trabalho, e uma mercadoria é um efeito do trabalho, por qual processo lógico pode-se concluir que a força de trabalho é uma mercadoria? Ó sofista, esconda tua cabeça diminuída!

II. Se o valor de uso de uma mercadoria nada tem a ver com seu valor de troca, por que, em nome do bom senso, o valor de uso da “mercadoria” força de trabalho é uma exceção à regra? Agora podemos ver que a teoria da mais-valia de Marx decorre da seguinte proposição inconsistente: Uma mercadoria é tanto causa quanto efeito do trabalho, cujo valor de uso determina, e ao mesmo tempo não determina, a medida de seu valor de troca!

Estamos aqui diante de uma contradição tão inconfundível, tão absolutamente palpável, que nenhum truque de prestidigitação dialética jamais a reconciliará.

“Mas”, diz Marx, “para que nosso possuidor de dinheiro possa encontrar a força de trabalho oferecida para venda como uma mercadoria, várias condições devem primeiro ser cumpridas. A troca de mercadorias por si só não implica outras relações de dependência além daquelas que resultam de sua própria natureza. Sob essa suposição, a força de trabalho só pode aparecer no mercado como uma mercadoria se, e na medida em que, seu possuidor, o indivíduo cuja força de trabalho é, a oferece para venda, ou a vende, como uma mercadoria. Para que ele possa fazer isso, deve tê-la à sua disposição, deve ser o proprietário não restringido de sua capacidade de trabalho, isto é, de sua pessoa… Ele e o possuidor de dinheiro se encontram no mercado e lidam um com o outro com base em direitos iguais, com essa única diferença, que um é comprador, o outro vendedor; ambos, portanto, iguais aos olhos da lei.”

Vimos que as funções essenciais do dinheiro são duas; uma, que ele represente uma quantidade definida de mercadoria como unidade; a outra, que sirva como meio de pagamento. Vimos, além disso, que a primeira função decorre da natureza das coisas. Vimos também, ao contrário, que o investimento exclusivo do ouro com a segunda função é um ato de despotismo financeiro. Não há razão válida para que a mesma mercadoria desempenhe as duas funções, nem para que a segunda função seja confinada a uma mercadoria. De fato, confiná-la assim é fazer do dinheiro um monopólio, e o monopólio do dinheiro significa praticamente o monopólio de tudo o mais que só pode ser adquirido com dinheiro. O ouro torna-se doravante o imperador das mercadorias, o autocrata da troca. Quem possui ouro possui não apenas uma mercadoria, mas dinheiro, o deus diante do qual todas as mercadorias se curvam. O possuidor de dinheiro entra no mercado, não como um mero produtor de mercadorias em geral, mas como o proprietário de uma mercadoria preferencial. Não se pode pretender que a mesma competição ocorra em relação ao fornecimento de ouro como ocorre em relação ao fornecimento de mercadorias em geral. A lei da oferta e da procura, portanto, investe o ouro com um prêmio; e dizer que o ouro está com um prêmio na tabela de valores é apenas dizer que, em relação a ele, todas as outras mercadorias estão com desconto. Que absurdo completo, então, para Marx afirmar que o trabalhador e o capitalista entram na disputa do mercado igualmente equipados.

“A continuidade dessa relação”, prossegue ele, “exige que o possuidor da força de trabalho a venda apenas por um período definido, pois, se a vendesse de uma vez por todas, estaria vendendo a si mesmo, convertendo-se de homem livre em escravo, de proprietário de uma mercadoria em uma mercadoria.”

Não é esta a mais sutil das distinções metafísicas, que o trabalhador é um escravo se se vende por completo, mas um homem livre se se vende em partes? O que tem o comprimento do contrato a ver com seu status moral?

“A segunda condição essencial para que o possuidor de dinheiro encontre a força de trabalho no mercado como uma mercadoria”, diz Marx, “é esta — que o trabalhador, em vez de estar na posição de vender mercadorias nas quais seu trabalho está incorporado, deve ser obrigado a oferecer para venda como uma mercadoria essa própria força de trabalho, que existe apenas em seu eu vivo.”

Ora, Marx acaba de nos dizer que uma condição essencial para encontrar a força de trabalho no mercado como uma mercadoria é que o trabalhador, seu possuidor, a ofereça livremente como tal, e que, ao fazê-lo, ele se coloca em pé de igualdade com o capitalista.

“Ele e o possuidor de dinheiro se encontram no mercado e lidam um com o outro com base em direitos iguais, com essa única diferença, que um é comprador, o outro vendedor; ambos, portanto, iguais aos olhos da lei.”

E ainda, no mesmo fôlego, Marx nos chama a acreditar que a outra condição indispensável para encontrar a força de trabalho no mercado como uma mercadoria é que o trabalhador seja obrigado a oferecê-la como tal! Esta extraordinária reviravolta só pode ser igualada pela fábula de Esopo do Homem e do Sátiro. Uma coisa é bastante evidente, que Marx foi incapaz de concordar consigo mesmo por cinco minutos seguidos.

Entreter a opinião de que a força de trabalho é uma mercadoria é tão absurdo quanto um homem, professando entender os rudimentos da ciência econômica, poderia possivelmente ir. Mas quando o originador dessa opinião se aventura a fornecer um argumento em sua fundamentação misturando a própria mercadoria com os direitos morais do proprietário dessa mercadoria, e falha em produzir um argumento melhor do que este — que, para que a força de trabalho possa aparecer como uma mercadoria, é necessário que seu proprietário seja, em primeiro lugar, e em segundo lugar não seja, um agente livre — é seguro assumir que tal homem se tornou mentalmente empobrecido de fato.

Vamos, no entanto, prosseguir. Marx discute em seguida quais são os essenciais da produção capitalista. “Para que um homem possa vender mercadorias que não sejam força de trabalho, ele deve, é claro, ter os meios de produção, como matéria-prima, instrumentos, etc.” A inferência óbvia é que o Capitalista, tendo um monopólio dessas coisas, é, por isso, capaz de compelir o trabalhador a aceitar um preço de mercadoria por seu trabalho, ou morrer de fome.

Mas a pergunta surge naturalmente — como o capitalista se tornou possuidor dessas coisas que constituem seu capital, se o trabalhador as produziu? “Capital”, diz Marx, “só pode surgir à vida quando o proprietário dos meios de produção e subsistência encontra, no mercado, o trabalhador livre vendendo sua força de trabalho.” Mas isso é supor a questão. O proprietário dos meios de produção e subsistência é o proprietário do capital. Então, por que Marx não despia o argumento de toda verbosidade e reduzia sua proposição à declaração nua de que o capital só pode surgir à vida quando o proprietário do capital encontra, no mercado, o trabalhador livre vendendo sua força de trabalho? Isso teria sido muito evidente, e como a hipótese de uma Causa Primeira, não teria explicado nada.8 Não obstante, Marx se colocou em um dilema lógico do qual não há escapatória. Ele consegue sustentar essas proposições antitéticas ao mesmo tempo:

I. Que o capital é efeito da mais-valia;
II. Que a mais-valia é efeito do capital.

Já se perguntou qual veio primeiro, o ovo ou a galinha. Marx teria resolvido esse enigma facilmente: diria — ambos.

Para corroborar a ideia de que a força de trabalho é uma mercadoria, Marx tenta mostrar que seu valor é determinado, como o de qualquer outra mercadoria, “pelo tempo de trabalho necessário para a produção, e, portanto, também para a reprodução desse artigo especial… O valor da força de trabalho é o valor dos meios de subsistência necessários para a manutenção do trabalhador.”

Mas onde está a analogia? A soma total dos fatores da produção de uma mercadoria, ou seja, seu valor, e o custo de reprodução de um de tais fatores — a força de trabalho aplicada — são duas coisas completamente diferentes. E não apenas diferentes em grau, mas em essência. O capitalista não compra força de trabalho, que é trabalho potencial, mas o trabalho em si. Qual é o valor de uso da força de trabalho, se não aplicada? Marx se viu num beco sem saída ao tentar discutir o custo de produção do trabalhador. Pois quem pode calcular o trabalho que ele custou à mãe que o carregou, que o alimentou e o preparou para trabalhar por sua vez? Por qual lei econômica tudo isso pode ser convertido em termos da quantidade que meramente o impede de morrer de fome? O valor de uma locomotiva tem alguma relação com o custo do carvão que a alimenta?

Ó sábio da economia! Não vês que tua conclusão é evidentemente absurda? Que ela implica a proposição de que o produto total do trabalho em determinado período é apenas igual a uma parte desse mesmo trabalho — e essa parte é justamente o que o trabalhador é forçado a consumir nesse período? O trabalhador não produz muito mais do que consome? Pois bem: se todos os homens fossem trabalhadores, sob as mesmas condições, a quem pertenceria o excedente de produção?

Na prática, no entanto, os salários não são determinados pelas necessidades dos trabalhadores. Em certos casos, os salários são inferiores à manutenção das necessidades mínimas, e já se clama por um “salário digno”. Mas, ao considerarmos a condição média dos salários, pode-se dizer que, embora as necessidades absolutas do trabalhador sejam praticamente uma constante, os salários, por outro lado, vêm aumentando acima desse ponto continuamente desde a introdução da maquinaria.

É fato que os preços médios das mercadorias mais essenciais à subsistência do trabalhador caíram de forma constante no último meio século, enquanto os salários nominais médios subiram no mesmo período. Assim, se a maquinaria deslocou trabalhadores, empurrando-os para novos campos de atividade, ao mesmo tempo elevou seus salários (tanto nominais quanto reais) — e não, como Marx presume, provocou tendência contrária.

VII — O Processo de Produção de Valor e Mais-Valia

“Voltemos agora”, diz Marx, “ao nosso pretenso capitalista. Deixamos ele logo após ter adquirido, no mercado aberto, todos os fatores necessários ao processo de trabalho: seus fatores objetivos, os meios de produção, assim como seu fator subjetivo, a força de trabalho. Com o olhar atento de um especialista, ele selecionou os meios de produção e o tipo de força de trabalho mais adequados à sua atividade específica, seja fiar, fazer sapatos ou qualquer outra. Em seguida, ele passa a consumir a mercadoria que acabou de comprar — a força de trabalho — fazendo com que o trabalhador, a personificação dessa força, consuma os meios de produção por meio do seu trabalho. O caráter geral do processo de trabalho evidentemente não muda pelo fato de que o trabalhador trabalhe para o capitalista em vez de para si mesmo.”

Marx ressalta ainda que esse processo adiciona apenas dois elementos novos ao processo natural: primeiro, que o capitalista dirige o trabalho — ou a aplicação da força de trabalho que comprou; segundo, que ele é o dono do produto total. O capitalista, portanto, deve ser considerado como um intermediário entre o produtor e o consumidor.

“Nosso capitalista”, continua Marx, “tem dois objetivos em vista: primeiro, ele quer produzir um valor de uso que tenha valor de troca, ou seja, um artigo destinado à venda, uma mercadoria; e, segundo, ele deseja produzir uma mercadoria cujo valor seja maior que a soma dos valores das mercadorias utilizadas em sua produção — isto é, os meios de produção e a força de trabalho que ele comprou com seu bom dinheiro no mercado aberto. Seu objetivo é produzir não apenas um valor de uso, mas também uma mercadoria; não apenas um valor de uso, mas um valor; não apenas valor, mas ao mesmo tempo mais-valia.”

Mas, partindo da hipótese de que todas as mercadorias se trocam com base no custo de produção — isto é, o tempo de trabalho necessário para trazê-las à existência e ao mercado — isso é impossível. Marx, no entanto, não se abala nem um pouco com isso e segue para a demonstração.

Ele apresenta, em primeiro lugar, um caso teórico de produção do ponto de vista do valor. O algodão (matéria-prima) deve ser transformado em fio (a mercadoria). O valor de uma hora de trabalho é considerado como sendo 6 pence. O desgaste de ferramentas é estimado em 2 xelins. Suponha-se que 10 libras de algodão, no valor de 10 xelins, sejam transformadas em 6 horas em 10 libras de fio. Então, é evidente que, se deixarmos de lado o elemento trabalho, temos incorporado na mercadoria um valor de 10 xelins + 2 xelins = 12 xelins. Seis horas de trabalho, a 6 pence por hora, somam 3 xelins. O valor total da mercadoria (10 libras de fio) é, portanto, 10 + 2 + 3 = 15 xelins.

Mas o fio pode ser comprado no mercado a 1 xelim e 6 pence por libra, ou seja, 10 libras por 15 xelins, diz Marx. Exatamente, se for vendido por um preço que represente seu custo de produção.

A partir dessa consideração teórica, Marx passa ao que chama de caso real. O capitalista descobriu, segundo Marx, que o custo da manutenção diária do trabalhador é de 3 xelins, quer ele trabalhe 6 horas ou 12. E é sobre essa presunção extraordinária que Marx fundamenta seu “caso real”.

É óbvio para o mais limitado dos cérebros que, se o custo do trabalho por 12 horas é de 3 xelins, então o custo por 6 horas será de 1 xelim e 6 pence. Então, por que razão Marx assumiu, no caso teórico acima, que 3 xelins era o valor equivalente a 6 horas de trabalho? Não era pressuposto essencial da parte dele que os salários do trabalhador fossem calculados com base no custo de produção, isto é, os meios de subsistência? Ou 3 xelins por 6 horas era demais, ou 3 xelins por 12 horas era de menos. Nenhuma manobra dialética pode contrariar esse ponto. Assim, Marx tenta demonstrar a verdade de uma proposição impossível distorcendo os termos do seu próprio argumento.

Grande lógico!

Sigamos agora para o exame do “caso real” de Marx. O capitalista dispõe dos meios de produção necessários para empregar o trabalhador, não por 6 horas, mas por 12. Em vez de 10 libras de algodão, ele tem 20, valendo 20 xelins. O desgaste das máquinas será o dobro em 12 horas do que em 6, o que deve ser representado por 4 xelins. O trabalhador recebe 3 xelins, como no caso anterior, mas agora por 12 horas, e não por 6.

A despesa do capitalista, portanto, é a seguinte: 20 xelins (algodão) + 4 xelins (desgaste de equipamento) + 3 xelins (trabalho) = 27 xelins.

Mas, diz Marx, isso lhe rende 20 libras de fio, que no mercado são vendidas a 1 xelim e 6 pence a libra. Suas receitas, portanto, são 1s.6d. × 20 = 30 xelins.

Uma bela história; vamos analisá-la mais de perto. “O valor da força de trabalho diária [meu itálico]”, diz Marx, “é de 3 xelins, porque, segundo nossa suposição, metade de um dia de trabalho está incorporada nessa quantidade de força de trabalho, ou seja, porque os meios de subsistência diários necessários para a produção da força de trabalho custam meio dia de trabalho.” O valor das mercadorias, diz Marx, é determinado por seu custo de produção; o valor diário da força de trabalho é 3 xelins, porque 3 xelins representam o valor de outras mercadorias que custam meio dia de trabalho para serem produzidas! Marx ainda sustenta que o custo de manutenção do trabalho e o valor do trabalho são grandezas de valor totalmente distintas. Mas, sob tal suposição, o que resta da teoria de que o valor de uma mercadoria é igual ao seu custo de produção?

O trabalho passado que está incorporado na força de trabalho, e o trabalho vivo que ela pode realizar; o custo diário de mantê-la e sua aplicação diária no trabalho são duas coisas totalmente diferentes. O primeiro determina o valor de troca da força de trabalho; o segundo, seu valor de uso. O fato de que meio dia de trabalho é necessário para manter o trabalhador vivo por 24 horas não impede, de modo algum, que ele trabalhe o dia inteiro. Portanto, o valor da força de trabalho e o valor que essa força cria no processo de trabalho são duas magnitudes completamente distintas.

Agora, se o custo de manutenção da força de trabalho é seu valor de troca, por qual raciocínio (considerando que o valor de troca de uma mercadoria é regido por seu custo e não por seu valor de uso) pode surgir um valor de maior magnitude apenas da aplicação dessa força de trabalho? Marx pretende dizer que a força de trabalho inativa possui algum valor? Seu valor não depende inteiramente de sua aplicação? Indo direto ao ponto: a força de trabalho, enquanto tal, não tem valor econômico algum, e a distinção econômica que Marx tentou fazer entre força de trabalho e trabalho (que é puramente fisiológica) carece de qualquer fundamento fático.

Se meio dia de trabalho é necessário para manter o trabalhador vivo por 24 horas, esse fato, sem dúvida, não impede que ele trabalhe o dia inteiro. Mas, assumindo a hipótese de Marx de um mercado livre, se ele trabalha o dia inteiro, receberá como recompensa, não o pagamento por meio dia de trabalho — ou, o que é o mesmo, metade do produto do dia inteiro de trabalho do seu vizinho —, mas o equivalente ao que produziu, a menos que tenha caído nas mãos de ladrões. O que têm os meios de subsistência a ver com isso, exceto como ponto de partida para uma comparação de valores? Haveria, num mercado livre, uma lei para os produtores de valores de troca e outra para seus compradores? A lei da concorrência, como Jano, tem duas faces, obrigando o trabalhador a aceitar meio salário por um dia inteiro de trabalho sem permitir que compre seus meios de subsistência pela metade do preço?

Mas Marx continua, aparentemente alheio ao mar de contradições lógicas em que está imerso: “As qualidades úteis que a força de trabalho possui, e que permitem a produção de fio ou sapatos, eram para ele (o capitalista) apenas uma condição necessária, pois, para criar valor, o trabalho deve ser útil. O que realmente o influenciou foi o valor de uso específico que essa mercadoria possui de ser uma fonte não apenas de valor, mas de mais valor do que ela própria possui.”

Se ignorarmos a absurda hipótese de Marx de que a mais-valia surge porque o capitalista — e não o trabalhador — detém os meios de produção, e se também deixarmos de lado, por ora, a suposição mais razoável de que sua origem está no dinheiro, então só resta uma inferência possível: que o trabalhador não possui a capacidade necessária para produzir valor e mais-valia, sendo o capitalista o responsável por suprir essa deficiência. Ou isso, ou o trabalhador não encontra mercado. Em ambos os casos, o capitalista deve ser presumido como o provedor dessa capacidade faltante: ele é, portanto, fator essencial da produção e distribuição, e a mais-valia que ajuda a criar é apenas a recompensa justa por sua habilidade e trabalho, já que sua taxa é regulada pela concorrência entre capitalistas. Mas essa conclusão está longe de ser compatível com a teoria de Marx.

Ele diz: “O valor de uso da força de trabalho, ou seja, o trabalho, pertence tanto ao comprador quanto o valor de uso do óleo, depois de vendido, pertence ao comerciante que o vendeu.” Mas os casos não são análogos. Marx afirmou repetidas vezes que o valor de uso nada tem a ver com a magnitude do valor de troca de uma mercadoria.

E, no entanto, agora somos chamados a acreditar que, devido a uma diferença nos respectivos valores de uso da força de trabalho e do trabalho, o capitalista, ao adquirir o elemento força de trabalho em um mercado livre por seu valor de troca adequado, ao pagar por ele um quid pro quo, e ao combinar com ele outros elementos que ele adquiriu da mesma forma, é capaz de obter, nesse mesmo mercado livre, um valor ab extra; um valor excedente independente do valor que o trabalho despendido para combinar esses diversos elementos produz; um valor maior do que a soma de suas respectivas partes!

A mercadoria, como vimos, deve ter um valor de uso para ter valor de troca. Mas como toda a força do argumento de Marx — de que a mais-valia deriva do valor de uso das mercadorias como produtos do trabalho — depende da suposição de um mercado livre, sua tese prova demais. Pois implica na ideia absurda de que a força de trabalho tem, de fato, dois valores de uso economicamente distintos: um, potencial, que garante sua troca com base nos meios de subsistência; outro, efetivo, pelo qual o trabalhador é capaz de agregar ao produto um valor de uso adicional, que gera, por consequência, um valor de troca adicional.

Se o valor de troca da força de trabalho é fixado pelo custo de sua produção ou manutenção, então segue-se logicamente que, independentemente de sua produtividade, ou seja, da quantidade que o trabalhador consegue produzir, o valor de troca do produto de um dia de trabalho é apenas igual ao valor dos meios de subsistência do trabalhador naquele período. Como pode seu trabalho ter dois valores de troca distintos, a não ser que se suponha o contrário? Se assumirmos com Marx que o salário do trabalhador é devidamente determinado pelos meios de subsistência, então o capitalista obviamente não o explora no processo produtivo. Se também assumirmos com Marx que o capitalista nada adiciona ao produto total nesse processo, somos forçados a aceitar uma de duas opções: ou o capitalista explora o trabalhador como consumidor, cobrando-lhe mais do que custou o produto de seu próprio trabalho, ou o capitalista possui a extraordinária capacidade de criar algo do nada! Ex nihilo nihil fit.

Mas a explicação simples do processo é revelada, inadvertidamente, pelo próprio Marx. Segundo ele mesmo, ao pagar ao trabalhador 3 xelins por 12 horas de trabalho, o capitalista não pagou o valor de troca justo. Já nos disse que 3 xelins representam a quantidade de ouro na qual estão incorporadas não doze, mas seis horas de trabalho.9 Aqui está a solução completa do problema. Na troca de trabalho por dinheiro, o trabalhador entregou um valor igual a 6 xelins por um valor monetário equivalente a 3 xelins.

A conclusão a que chegamos, portanto, admite apenas uma explicação de fato, embora duas formas de expressão:

  1. O trabalhador, ao vender seu trabalho ao capitalista, o vende abaixo de seu valor normal; ou
  2. O capitalista, ao vender o produto desse trabalho ao trabalhador, o vende acima de seu valor normal.

Como a expressão em preço do valor é meramente uma relação, qualquer uma dessas proposições resulta no mesmo. E por conta disso, somos obrigados a negar a conclusão de Marx de que, ao longo de todo o processo, equivalentes foram trocados por equivalentes.

Não pretendo aqui tratar das considerações morais com que Marx reveste sua teoria do valor. Elas são completamente irrelevantes. Sustento que nenhum produtor tem obrigação moral de produzir mercadorias para os outros. Além disso, se houver algum direito moral na questão, é evidente que o produtor é quem tem o direito de fixar o preço de seu produto. O fato de que a concorrência (tão detestada pelos socialistas) atua, em termos gerais, para limitar os preços e tornar possível uma certa igualdade de valores, é irrelevante.

Se o fornecimento de capital fosse livre — ou seja, se o poder do dinheiro de gerar juros deixasse de existir — de modo que o capital pudesse ser fornecido ao custo de sua produção, então o mais-valor desapareceria.

Qualquer excesso de preço sobre o custo, nessas circunstâncias, só poderia aparecer como o salário natural da habilidade. Supondo um mercado livre, no qual o capital seja tão facilmente acessível ao trabalhador quanto ao capitalista, então, se o trabalhador for incapaz de organizar seu próprio trabalho e o capitalista o auxilia nisso, este último tem direito evidente a qualquer excesso de preço sobre o custo que consiga obter, seja por meio de sua capacidade organizacional ou por simples especulação, sob o regime de livre concorrência. Negar isso equivale a dizer que a habilidade não é um fator relevante, e a própria distinção de Marx entre trabalho simples e complexo, entre trabalho qualificado e não qualificado, perde completamente o sentido.

Em conclusão, Marx, convencido de ter desvendado o enigma do mais-valor, se anima a declarar:

“Toda condição do problema está satisfeita, e as leis que regulam a troca de mercadorias não foram violadas em nenhum ponto. Equivalente foi trocado por equivalente. Pois o capitalista, como comprador, pagou por cada mercadoria — pelo algodão, pelo fuso e pela força de trabalho — seu valor integral. Ele então fez o que todo comprador de mercadorias faz: consumiu seu valor de uso. O consumo da força de trabalho, que foi também o processo de produção de mercadorias, resultou em 20 libras de fio, com valor de 30 xelins. O capitalista, antes comprador, retorna ao mercado como vendedor de mercadorias. Vende seu fio a 1 xelim e 6 pence por libra, o que é seu valor exato. Ainda assim, ele retira 3 xelins a mais da circulação do que nela havia colocado.”

Já demonstramos que as conclusões resumidas no trecho acima são ao mesmo tempo ilógicas e contraditórias. Que alguém, alegando entender o básico da lógica, afirme que o valor das mercadorias é representado pelo custo em trabalho de todas as partes envolvidas em sua produção — hipótese pela qual 10 libras de fio valem 15 xelins — e, ao mesmo tempo, afirme que 20 libras de fio valem 30 xelins, mesmo com um custo de trabalho reduzido de 3 xelins, é se condenar como sofista da pior espécie.

Obviamente, 20 libras de fio produzidas com um custo de trabalho menor em 3 xelins só serão vendidas por 27 xelins, se argumentarmos, como faz Marx, com base na hipótese de um mercado livre.

Marx caiu no erro de supor que 20 libras de fio seriam vendidas ao mesmo preço anterior, ao considerar o processo de produção não do ponto de vista social, mas do ponto de vista de um produtor individual. Foi esse mesmo erro que serviu de base à justificativa, frequentemente citada mas completamente estúpida, de Bastiat para a cobrança de juros.

É verdade que a sociedade é apenas uma agregação de capitalistas e trabalhadores. Mas, enquanto na produção isolada isso não acontece, na sociedade a lei da concorrência na produção atua de maneira imparcial na determinação dos preços. O “caso real” de Marx reconhece claramente o efeito da concorrência sobre os salários, mas ignora completamente seu efeito sobre os preços.

Considere:

Se, num dado momento, a demanda normal por fios, expressa pelas necessidades do capitalista e do trabalhador juntamente com suas respectivas famílias, for de 10 libras, nem mais nem menos, como pode o capitalista, dobrando sua produção e reduzindo os salários do trabalhador (isto é, de seu cliente) pela metade, encontrar mercado para essa produção? De onde virão os compradores? E como, pela mera multiplicação de capitalistas e trabalhadores, pela simples ampliação das mesmas condições, o caso se torna diferente?

Se retornarmos ao primeiro capítulo de Marx, ele admite sem rodeios que, embora o valor de uma mercadoria varie em proporção direta com a quantidade de tempo de trabalho, varia em proporção inversa à produtividade do trabalho nele materializado. E, de passagem, essa proposição imediatamente derruba, de forma clara e eficaz, a proposição de Marx de que a força de trabalho é uma mercadoria, pois trata-se de uma afirmação simples de que os salários e os preços dos produtos do trabalho são regidos inversamente pela mesma lei.

Ora, qual é o significado da lei segundo a qual o valor de uma mercadoria varia em proporção inversa à produtividade do trabalho nela materializado?

Suponhamos que um capitalista empregue 20 homens, digamos, na fabricação manual de botas. Sua produção, diremos, é de 40 pares por semana. Suponhamos que o salário semanal de cada homem seja de 20 xelins. Calculando £10 para matérias-primas e outros custos, a produção de 40 pares de botas terá, portanto, um custo total de £30, ou 15 xelins por par. Suponhamos ainda que o preço de mercado atual das botas seja de 22 xelins e 6 pence o par; a taxa de lucro do capitalista, nesse caso, é de 50%. Vamos assumir que essa taxa de lucro seja a taxa normal sob as condições presumidas.

Agora surge uma nova situação. Máquinas são introduzidas na indústria de fabricação de botas, o que exige uma divisão do trabalho. O capitalista, então, avalia a situação. Obviamente, se a demanda média por botas é de 40 pares por semana, a quantidade extra que, graças à maquinaria, os trabalhadores são capazes de produzir, se tornará estoque encalhado. Mas o capitalista rapidamente percebe uma maneira de combinar filantropia e interesse próprio, o que está de acordo com a ordem natural das coisas. Ele vê claramente que, ao baratear as botas, poderá vender mais, e, ao mesmo tempo, menos pessoas andarão descalças: a demanda por botas aumentará justamente porque o preço caiu. Então ele põe 40 homens para trabalhar, pagando a cada um o mesmo salário de antes pela mesma quantidade de horas de trabalho10, e esses conseguem produzir 200 pares de botas por semana. Qual é o resultado inevitável? Simplesmente este: se considerarmos, com base no cálculo anterior, que o capitalista gastou £50 em matérias-primas, £10 com desgaste das máquinas, e £40 em salários, a indústria de calçados aumentou sua produtividade, o que levará, pela concorrência, à queda do preço das botas até um valor que ainda proporcione um lucro de 50%, se, como supomos, essa é a taxa normal determinada pelos juros.11

As botas, doravante, são vendidas a 15 xelins, e não mais a 22s. 6d. o par. E à medida que as máquinas passam a ser usadas na produção de outras mercadorias, o trabalhador comum, enquanto consumidor, obtém uma vantagem correspondente: se seu salário nominal permanece o mesmo, seu poder de compra tenderá continuamente a aumentar. Se esse aumento ainda não é tão evidente quanto poderíamos esperar atualmente, é simplesmente porque o padrão de conforto do trabalhador foi elevado de forma lenta e quase imperceptível, seu consumo aumentou, e ele passa a ser mantido desempregado por mais tempo do que era originalmente o caso. Já se demonstrou que é apenas o monopólio do crédito monetário que torna possível a ociosidade involuntária. A ideia de que isso é um efeito natural da superprodução já não pode mais ser sustentada. Quanto mais bens são produzidos, maior é a quantidade de outros bens chamada à existência para trocá-los, se considerarmos a produção separadamente da influência perturbadora da moeda.12

Se a ociosidade involuntária fosse coisa do passado, é fácil ver que não só o poder e a oportunidade de consumo do trabalhador aumentariam até o ponto correspondente à sua atual falta de oportunidade para trabalhar, como também a competição anormal entre os trabalhadores para conseguir o que, nas circunstâncias atuais, é um monopólio do trabalho, seria destruída, e como consequência direta, os salários se elevariam ao seu verdadeiro máximo. O remédio para esse estado anômalo é simples, e consiste na revogação daqueles dispositivos legislativos (as leis de curso forçado) que restringem a livre concorrência na oferta de crédito monetário.13 Não exige, de forma alguma, aquele tratamento drástico e arbitrário que os socialistas parecem considerar inseparável de sua solução, e que provocaria uma revolução não apenas nas condições industriais e comerciais vigentes, mas em toda a nossa vida social. O futuro, portanto, depende de uma maior ampliação, e não de uma limitação, dos princípios do livre-comércio; a ideia socialista é apenas a consequência lógica da política protecionista.

O que, sob o atual sistema político-econômico, divide os grupos industriais e comerciais em capitalistas e trabalhadores é a simples circunstância de que os primeiros possuem a mercadoria ouro, e créditos lastreados em ouro, enquanto os segundos não possuem. A linha de demarcação, é claro, não pode ser desenhada com precisão, assim como não se pode traçar uma linha nítida entre uma classe rica e uma classe pobre, já que há muitos no centro desses extremos, cujas rendas oscilam entre um mínimo de riqueza e um mínimo de pobreza. No entanto, o fato permanece: existe uma classe capitalista e existe uma classe trabalhadora.

Se o ouro é universalmente adotado como a mercadoria por meio da qual (como meio circulante) todas as outras mercadorias são compradas e vendidas, então é evidente para a percepção mais limitada que os detentores de ouro (ou de créditos em ouro) possuem, desde o início, todo o poder de compra do mundo. Os trabalhadores podem produzir o quanto quiserem, mas sua indústria de nada lhes servirá, se não forem capazes de trocar entre si suas respectivas produções, sem serem obrigados a trocá-las separadamente por ouro, a menos que esta condição seja cumprida: que a classe capitalista esteja disposta a comprá-las na mesma velocidade em que são produzidas. Mas essa classe consome, anualmente, apenas cerca de um oitavo do total anual de produtos dos trabalhadores. Daí se segue que o mercado de trabalho está saturado; há trabalhadores demais buscando emprego dos capitalistas (um fenômeno que Malthus confundiu com superpopulação); muitos, portanto, estão condenados a permanecer ociosos. Estes últimos competirão, por pura necessidade, pelo favor dos capitalistas. Os salários cairão abaixo de sua taxa normal, e serão pressionados para baixo conforme a intensidade dessa desproporção entre a demanda por trabalho e a oferta do mesmo. Dessa forma, o monopólio do crédito monetário restringe o poder de compra dos trabalhadores, e, portanto, a demanda por bens, e novamente a demanda por trabalho na produção e reprodução desses bens; a um oitavo do que seria de outra forma. Hoje, o capitalista é o único mercado do trabalhador.

Agora, consideremos produção e troca sob outro ponto de vista. O ouro foi desmonetizado. Nenhuma mercadoria preferencial, nenhuma mercadoria em particular, disfarça-se de dinheiro. Uma moeda fiduciária racional tomou o lugar do antigo sistema, e, ao contrário do ouro, custa quase nada para ser produzida com esse fim. Mas ela é igualmente bem garantida, e sua circulação está assegurada. As objeções contra a inflação do papel-moeda não se aplicam a esse tipo de dinheiro, pois ele é emitido apenas contra propriedade real — e não apenas uma forma de propriedade, mas contra toda espécie concebível de valor de mercado não perecível. Uma margem é permitida para a possível depreciação dessa garantia, e quaisquer variações de valor são periodicamente registradas, sendo debitadas ou creditadas, conforme o caso, nas contas correntes emitidas pelo Banco de Emissão. Esta simples modificação do sistema bancário atual revoluciona todo o mundo industrial e garante ao trabalhador o equivalente ao produto completo de seu trabalho.

O trabalhador não está mais na necessidade de pedir permissão ao capitalista pelo privilégio de trabalhar e viver; ele passa a ser, doravante, seu próprio mercado, podendo monetizar suas próprias produções particulares, de qualquer natureza, desde que obtenha crédito, de maneira semelhante em efeito, embora não em forma, àquela em que o detentor da mercadoria ouro consegue ter seu bem imediatamente transformado em moeda corrente ao apresentá-lo à Casa da Moeda. A verdadeira democracia agora começou. Como o crédito monetário é assim igualmente acessível a todos, cada um possui virtualmente o mesmo poder de compra; e este, por sua vez, é limitado apenas por seu poder produtivo. Não há mais competição entre eles para conseguir dinheiro. Este é o mal de hoje. Eles finalmente encontraram a solução do enigma que intrigou a humanidade por seis mil anos. Há um equilíbrio de preços, pois se um aumenta seu preço, os outros podem fazer o mesmo, e o equilíbrio se restaura. Não há limite para a produção, já que todos desejam ser o mais ricos possível; e como não são mais forçados a competir entre si para descobrir qual é a menor quantidade de comida capaz de sustentar a vida humana, não têm outra coisa a fazer senão competir na corrida para enriquecer. O “explorador” já não existe. Equivalentes agora trocam por equivalentes. O mais-valor desapareceu com o monopólio do crédito monetário que lhe deu origem.14

Conclusão

Vimos que a teoria da mais-valia de Marx é uma dedução a partir das seguintes proposições, cada uma das quais contradiz as demais:

  1. Que a força de trabalho é uma mercadoria;
  2. Que o valor de todas as mercadorias é diretamente proporcional à quantidade de força de trabalho (medida em tempo) empregada em sua produção;
  3. Que o capitalista, ao contratar a força de trabalho por seu preço normal, a aplica na produção de outras mercadorias, resultando na criação de um valor igual ao investido, acrescido de um valor adicional.

A primeira proposição contradiz a segunda. Se uma certa quantidade de força de trabalho (medida em tempo) é a unidade pela qual se mede o valor das mercadorias, então, o que mede o valor da própria unidade, enquanto mercadoria?

A segunda proposição contradiz a terceira. Se o valor de uma mercadoria é expresso pela quantidade de força de trabalho (tempo de trabalho) consumida em sua produção, como pode surgir a mais-valia (um excedente de valor além do tempo de trabalho)?

A segunda proposição, portanto, torna as outras duas inviáveis.

Façamos um resumo.

Uma mercadoria é um objeto de troca.

Troca implica transferência mútua de valores equivalentes.

Pela própria natureza do processo, a troca mútua exclui a possibilidade de mais-valia.

No entanto, a mais-valia surge no processo de troca: sua origem, portanto, deve ser buscada na troca de valores que são desiguais.

Já vimos que ela não surge da simples troca de mercadorias.

Vimos ainda que ela só aparece no momento em que uma das mercadorias assume o papel de equivalente universal e, ao mesmo tempo, atua como meio de pagamento. Portanto, é legítimo procurar no dinheiro a solução do problema.

Obviamente, a causa não se encontra na primeira função do dinheiro como mero equivalente universal, ou medida de valor, pois esta é apenas uma forma ideal de denominar valores. E, já que não está aí, deve estar, necessariamente, em sua segunda função: a de meio de pagamento.

Primeiramente, qual é o alcance da proposição geral? É este: eliminando-se renda da terra, impostos, royalties de mineração, licenças, tributos, lucros decorrentes de patentes, direitos autorais etc. — todos traçáveis a monopólios legais diretos — qualquer acréscimo econômico que se acumule ao capitalista por meio do processo de troca, deve-se a um outro monopólio legal: o de restringir a função do meio de pagamento a uma única mercadoria, e uma mercadoria escassa; isto é, fazer do ouro o único meio legal de quitação de dívidas.

A constatação dessa proposição comprova que todo fator envolvido no problema da mais-valia tem origem em um monopólio legal específico. A solução que naturalmente se apresenta é a abolição desses respectivos monopólios.

As condições essenciais da lei do valor defendida por Marx — a saber, que o valor normal de troca de uma mercadoria é determinado pelo tempo médio de trabalho necessário à sua produção — são:


(1) que haja livre acesso às matérias-primas;
(2) que a mercadoria possa ser aumentada em quantidade ad libitum por meio do trabalho humano;
(3) que a concorrência atue livremente, tanto na produção quanto na troca, sem qualquer tipo de restrição; e
(4) que a oferta e a demanda da mercadoria estejam em equilíbrio.

Não afirmo que Marx tenha explicitado essas condições como indispensáveis para a realização de sua teoria do valor; a concorrência, aliás, era sua bête noire particular. O que afirmo é que, na sequência lógica das ideias, essas condições são imprescindíveis para tal teoria, pois em nenhuma parte, sob o atual regime de monopólio monetário, mercadorias e dinheiro se trocam com base em seus respectivos custos de produção. Se assim fosse, não haveria problema de mais-valia a resolver.

Se a demanda por uma mercadoria for maior que sua oferta, sabemos muito bem que seu preço será superior ao seu valor, e vice-versa. Os salários estavam acima de seu máximo na Inglaterra no período imediatamente após a Grande Peste. Isso foi um efeito inevitável de a demanda por trabalho ser maior que a oferta. Observamos, atualmente, que os salários estão bem abaixo do seu máximo, o que é um efeito inevitável do excesso de oferta de trabalho em relação à demanda por ele. Os salários só permanecem no seu máximo quando a oferta e a demanda de trabalho estão precisamente em equilíbrio.

A adoção do ouro como meio de troca é, hoje, o principal fator de perturbação da equação natural entre oferta e demanda de trabalho, e da proporção natural entre salários e preços. E é a isso, portanto, que somos obrigados — por lógica inexorável — a atribuir a origem da mais-valia.15

  1. “O preço natural do trabalho é aquele necessário para permitir que os trabalhadores, em média, subsistam e perpetuem sua espécie, sem aumento ou diminuição.” — Political Economy and Taxation. ↩︎
  2. “Se entre uma nação de caçadores, por exemplo, normalmente for necessário o dobro de trabalho para matar um castor do que para matar um cervo, então um castor naturalmente se trocará por, ou valerá, dois cervos. É natural que aquilo que normalmente é o produto de dois dias ou duas horas de trabalho, valha o dobro daquilo que é normalmente o produto de um dia ou uma hora de trabalho.” — Adam Smith. ↩︎
  3. Quando o soberano (moeda) foi cunhado pela primeira vez, no reinado de Henrique VII, circulava a vinte xelins de prata da época, os quais eram cunhados a partir de uma libra troy de prata. Alguns autores caíram no erro de supor que, como consequência, o valor do ouro era — e ainda é — fixado por lei em termos de prata. A padronização do ouro significa meramente determinar a qualidade e quantidade exatas do metal contido nas moedas, e nada tem a ver com o seu valor. ↩︎
  4. “O dinheiro pode variar continuamente de valor, e ainda assim ser tão bom como medida de valor quanto se permanecesse perfeitamente estável. Suponha-se, por exemplo, que ele seja reduzido em valor e, como uma redução de valor implica redução de valor em relação a uma ou mais mercadorias, suponha-se que ele se reduza em valor em relação ao trigo e ao trabalho. Antes da redução, uma guiné compraria 3 bushels de trigo ou 6 dias de trabalho; depois, compraria apenas 2 bushels de trigo ou 4 dias de trabalho. Em ambos os casos, dadas as relações do trigo e do trabalho com o dinheiro, pode-se inferir suas relações mútuas; em outras palavras, podemos constatar que um bushel de trigo vale 2 dias de trabalho. Isso, que é tudo o que medir valor implica, pode ser feito com a mesma facilidade após a redução quanto antes. A excelência de qualquer coisa como medida de valor é totalmente independente de sua própria variabilidade de valor.” — Bailey. ↩︎
  5. Na verdade, ele considera quatro casos, mas os outros três são apenas variações deste. ↩︎
  6. “Todas as outras coisas sendo iguais, a média geral de preços é determinada pela quantidade de moeda em circulação, e os preços aumentam ou diminuem conforme esta aumenta ou diminui… Os preços gerais de todos os objetos de valor sempre dependerão da quantidade de moeda existente no país em que são produzidos e vendidos. Esta é uma lei econômica tão certa quanto qualquer uma das leis da natureza.” — Professor Walker.

    “A teoria quantitativa é válida? Certamente não é, como frequentemente formulada, mas é inquestionável se estendermos seu significado como precisa ser estendido — se não compararmos a quantidade de dinheiro com a quantidade de mercadorias a serem trocadas por dinheiro, mas com a demanda por dinheiro em geral. Isso também incluiria a demanda por dívidas, e não apenas por dívidas realmente vencidas, mas também por dívidas ainda em curso, e essas dívidas incluem todo o montante de representantes de dinheiro, ou substitutos.” — Flurscheim. ↩︎
  7. Na realidade, ele considera quatro casos, mas os outros três são meras variações deste. ↩︎
  8. Onde as ideias falham, uma palavra intervém prontamente para preencher a lacuna. — Goethe. ↩︎
  9. pág. 167. ↩︎
  10. A teoria da mais-valia de Marx pressupõe, é claro, que a exploração do trabalhador pelo capitalista se deve ao aumento da jornada de trabalho. Agindo com base nessa hipótese, os sindicalistas exigiram uma redução das horas de trabalho como um pré-requisito necessário para a abolição da mais-valia.
    Mas o simples fato é que a duração da jornada de trabalho não tem nada a ver com o fenômeno da mais-valia. Por exemplo, suponhamos, com Marx, que a jornada normal de trabalho tenha 6 horas de duração, o que resulta na produção de mercadorias cujo valor é igual às necessidades diárias do trabalhador, e que um aumento no número de horas diárias de trabalho dá origem a uma criação correspondente de mais-valia. Agora, suponhamos que a jornada de trabalho de seis horas tenha sido alcançada e que os mesmos salários diários sejam pagos como antes: quanto o trabalhador terá no bolso? Os socialistas fingirão ser capazes de manter os preços estacionários sob o atual sistema de monopólio monetário? Marx descobriu esse segredo? Tudo o que o capitalista precisa fazer é aumentar seus preços, a fim de garantir exatamente a mesma taxa de “mais-valia” de antes. Portanto, para ser eficaz, a redução das horas de trabalho precisaria ser acompanhada de uma proibição da variação de preços — algo impossível. ↩︎
  11. Para uma refutação completa da falácia de que os juros advêm do capital e não do dinheiro, e que a taxa de lucro do monopólio é independente da taxa de juros, ou é governada por uma lei diferente, veja o admirável tratado do Sr. Hugo Bilgram, intitulado “Involuntary Idleness”. – JB Lippincott Co., Filadélfia, ou BR Tucker, P. O. Box 1312, Nova York, EUA. 2s. 6d. ↩︎
  12. Palestras de John Gray sobre dinheiro. ↩︎
  13. Acredito que as Leis de Cunhagem podem ser evitadas pela adoção de um esquema de crédito generalizado, como o sugerido pela Propaganda da Moeda Livre. As referidas Leis proíbem estritamente a emissão e circulação de instrumentos negociáveis em vez de dinheiro que não sejam sancionados por lei, mas não há razão para que as notas não assumam a forma de ordens de entrega de mercadorias no valor de certas quantias especificadas de dinheiro. ↩︎
  14. “O assunto das trocas”, diz Bray, “é um assunto ao qual as classes produtivas não podem dar demasiada atenção; pois é mais pela infração desta terceira condição pelo capitalista, do que por todas as outras causas unidas, que a desigualdade de condições é produzida e mantida, e o trabalhador é oferecido, de pés e mãos amarrados, como um sacrifício no altar de Mamom.” — “Labor’s Wrongs and Labor’s Remedy”, 1839. ↩︎
  15. “A distribuição da riqueza e a exploração de alguns homens por outros dependem do dinheiro, e somente por meio do dinheiro algumas pessoas comandam o trabalho de outras hoje em dia, isto é, as escravizam.” — Tolstói. ↩︎

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