O procurador-geral dos EUA, Jeff Sessions, afirma que a Bíblia apoia a separação de famílias imigrantes — porque “é a lei”.
Citaria o apóstolo Paulo e seu claro e sábio mandamento em Romanos 13 para obedecer às leis do governo, pois Deus instituiu o governo para Seus propósitos”, disse Sessions. “Processos legais e ordeiros são bons em si mesmos. A aplicação consistente e justa da lei é, por si só, algo bom e moral, e protege os fracos, protege os que cumprem a lei. Nossas políticas que podem resultar na separação temporária de famílias não são incomuns nem injustificadas.
Com base na leitura que Sessions faz de Romanos 13, Rosa Parks deveria ter marchado com sua bunda negra até o fundo do ônibus.
Se você tirar Romanos 13 de qualquer contexto e suspender a razão, até dá para chegar à conclusão de Jeff Sessions. Mas Paulo claramente não quis dizer que há uma obrigação moral de obedecer a toda determinação do governo. Proclamar “É a lei” não é um mandamento moral. Basta olhar para a resposta de Pedro ao Sinédrio, quando aquele corpo governamental ordenou que ele parasse de pregar sobre Cristo:
Mas Pedro e os apóstolos responderam: “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens.”(Atos 5:29)
Na verdade, a história da igreja primitiva foi moldada pela perseguição romana, justamente porque os cristãos se recusavam a obedecer às leis romanas que iam contra sua fé. Como escreveu Tertuliano: “O sangue dos mártires é a semente da Igreja.”
No mundo de Sessions, a mãe de Moisés deveria tê-lo afogado no Nilo. Daniel deveria ter se curvado e adorado a estátua de ouro do rei Nabucodonosor. E Pedro deveria ter calado a boca e parado de pregar.
Os versículos de Romanos 13 de fato apresentam desafios interpretativos, mas é fácil descartar a noção simplista de Jeff Sessions de que eles exigem submissão cega à autoridade do governo. Nenhum cristão racional argumentaria que esse trecho isolado das Escrituras obrigava os alemães a levar judeus para as câmaras de gás, condenava Harriet Tubman por violar a lei federal ao ajudar escravos fugitivos, ou punia Rosa Parks por se recusar a ceder seu lugar no ônibus.
Paulo escreve que todos devem se submeter às autoridades governamentais. Em nenhum lugar ele diz que devemos obedecer a elas sem questionar. Há uma diferença clara entre submissão e obediência. De fato, Rosa Parks demonstrou uma resposta cristã a leis governamentais injustas. Ela se recusou a obedecer, mas se submeteu às autoridades.
Quando ele me viu ainda sentada, perguntou se eu ia me levantar, e eu disse: “Não, não vou.” E ele disse: “Bem, se você não se levantar, vou ter que chamar a polícia e mandar te prender.” Eu disse: “Você pode fazer isso”, recordou Parks em um documentário da PBS de 1987 sobre o movimento dos direitos civis.
Note o que Rosa não fez. Ela não bateu no motorista. Não destruiu o ônibus. Não sacou uma arma e saiu atirando nos policiais quando eles chegaram para prendê-la. Ela se recusou a cumprir a ordem e foi presa.
Ela se submeteu às autoridades governamentais, mas não obedeceu à lei. E sua desobediência acendeu uma chama que acabou por consumir as leis de segregação racial conhecidas como Jim Crow.
Essa foi exatamente a postura que os primeiros cristãos adotaram diante do Império Romano. Os “Atos dos Mártires Cristãos” relatam os julgamentos e punições enfrentados por cristãos que se recusavam a obedecer às leis romanas.
Em um desses relatos, um homem chamado Júlio se recusou a seguir um decreto imperial e oferecer sacrifícios aos deuses romanos. Foi preso e levado diante do prefeito (magistrado) Máximo.
“Você certamente está ciente”, disse o prefeito, “dos decretos do imperador que ordenam que se ofereçam sacrifícios aos deuses.”
“Estou ciente deles”, respondeu Júlio, “mas sou cristão e não posso fazer o que o senhor quer; pois não devo perder de vista meu Deus vivo e verdadeiro.”
Máximo então tenta subornar Júlio para que obedeça ao decreto imperial, oferecendo-lhe uma “recompensa generosa”.
“Não farei o que o senhor deseja”, respondeu Júlio, “para não incorrer em uma penalidade eterna.”
Nesse ponto, Máximo apresenta o ultimato.
“Se você não respeitar os decretos imperiais e não oferecer sacrifício, vou mandar cortar sua cabeça.”
“Parece um bom plano!”, respondeu Júlio, “Apenas lhe peço, bom prefeito, pelo bem-estar dos seus imperadores, que execute esse plano e me condene, para que minhas orações se realizem.”
Máximo disse a Júlio que ele teria “glória eterna” se suportasse aquilo “em nome da lei civil.” Isso soa muito parecido com algo que Jeff Sessions poderia dizer.
Júlio respondeu: “De fato, sofro por causa da lei — mas é da lei divina.”
E assim o servo do Diabo golpeou o bem-aventurado mártir com uma espada e pôs fim à sua vida, em Jesus nosso Senhor, a quem pertencem a honra e a glória para sempre. Amém.
E lá se vai a ideia de Jeff Sessions e sua obediência cega à “lei”.