Muitos cristãos americanos substituíram uma identidade política quase religiosa pelo Reino de Deus. Esse reino terreno que tantos fiéis dos Estados Unidos abraçam está enraizado na violência e contrasta fortemente com o reino que Jesus morreu para instaurar.
Em nenhum lugar isso se manifesta tão claramente quanto na maneira como tantos cristãos americanos apoiam as guerras do país, especialmente a chamada “guerra ao terror”. Essa atitude aparece com mais força nas igrejas evangélicas, mas está presente em praticamente todas as denominações. Muitos cristãos americanos passaram a ver o governo dos EUA quase como uma extensão da igreja, agindo como um agente do bem ao redor do mundo, lutando contra forças do mal como a Al Qaeda, o Estado Islâmico e a Coreia do Norte.
Muitos dentro da Igreja veem a guerra ao terror como uma batalha religiosa contra as forças do Islã que buscam dominar o mundo. Uma rápida observação nas redes sociais revela incontáveis cristãos expressando medo absoluto do Islã, horror diante da possibilidade da Sharia ser implementada nos Estados Unidos, e falando sobre um califado muçulmano global. O medo espiritual causado pelo avanço do Islã leva muitos cristãos a aceitarem soluções políticas e militares oferecidas pelo governo americano — mesmo que essas políticas matem literalmente milhões de pessoas inocentes e provoquem ódio contra os Estados Unidos em várias partes do mundo.
A Guerra Fria e a luta contra o comunismo criaram um fenômeno semelhante.
Adotar uma abordagem política e militar para combater o “terrorismo islâmico” ou os males do comunismo é adotar o sistema que Jesus veio rejeitar — e, em última instância, é rejeitar o Reino de Deus. A morte de Jesus na cruz foi uma rejeição dos reinos terrenos violentos e marcou o início de um novo reino baseado no amor, na paz, no perdão e na submissão humilde.
Jesus não venceu a força com mais força. Ele venceu de forma paradoxal: submetendo-se a ela e triunfando sobre ela.
Quando Jesus andou pela terra, o povo judeu esperava com ansiedade um messias. Mas, em grande parte, não reconheceram sua chegada. Apesar dos profundos ensinamentos de Cristo e dos milagres que realizou, os judeus não o reconheceram como seu salvador porque esperavam outra coisa — um rei terreno.
Na mente dos judeus daquela época, o salvador viria como um grande e poderoso líder político, à semelhança de Davi. Ele expulsaria os romanos e inauguraria uma nova era de supremacia judaica. Havia, sim, um forte componente espiritual nessa concepção do messias, mas, acima de tudo, eles viam a promessa messiânica por uma lente política.
Jesus veio para estabelecer um tipo diferente de reino. Desde o início, Cristo virou de cabeça para baixo as concepções messiânicas judaicas. Em vez de pregar o poder, ele pregou a mansidão e a submissão. Em vez de clamar por vingança contra os opressores, disse ao povo para amar seus inimigos. Em vez de reagir com violência, Jesus ensinou: “Dê a outra face.”
Jesus não veio para reformar o sistema do mundo. Ele veio para derrubá-lo e estabelecer um novo reino baseado na fé, na paz e no amor.
Quando Jesus fez sua entrada triunfal em Jerusalém, o povo estendeu ramos de palmeira ao longo do caminho — uma homenagem geralmente reservada a reis ou líderes militares vitoriosos. Isso revela a mentalidade deles. Seu salvador — seu rei — estava vindo para derrubar Roma. Quando Simão Macabeu expulsou as forças gentílicas da cidadela de Jerusalém, “ele entrou com cantos de louvor e o agitar de ramos de palmeiras, com alaúdes, címbalos e cítaras, com hinos e cânticos, para celebrar a libertação final de Israel de um inimigo formidável” (I Macabeus 13:51).
Mas o fato de Jesus ter entrado montado num jumento, em vez de um cavalo, indicava que ele era o governante de um reino diferente. Zacarias 9:9–11 revela exatamente que tipo de reino era esse:
Alegre-se muito, ó filha de Sião! Exulte, ó filha de Jerusalém! Eis que o seu rei vem a você, justo e vitorioso, humilde e montado num jumento, num jumentinho, cria de jumenta. Eliminarei os carros de guerra de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e os arcos de batalha serão quebrados. Ele proclamará paz às nações. Seu domínio se estenderá de um mar a outro e do rio até os confins da terra. Quanto a você, por causa do sangue da minha aliança com você, libertarei os seus prisioneiros da cova sem água.
Jesus não tinha a menor intenção de derrubar os opressores de Israel com violência. Ele entrou humildemente para reivindicar seu trono sobre um reino de paz.
Jesus estabeleceu esse reino por meio da submissão à morte — e morte de cruz. Diante do interrogatório de Pilatos, Jesus revelou a verdadeira natureza do seu reino:
O meu reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu reino é de outra origem. (João 18:36)
Isso remete à repreensão que Jesus dirigiu a Pedro por ter sacado a espada e cortado a orelha do servo do sumo sacerdote:
Guarde a sua espada! Acaso não haverei de beber o cálice que o Pai me deu? (João 18:11)
No relato de Lucas, Jesus pergunta à multidão que veio prendê-lo:
Estou eu liderando alguma rebelião, para que venham contra mim com espadas e porretes? (Lucas 22:53)
Os líderes judeus rejeitaram o caminho de Cristo e escolheram seguir o caminho político — o caminho da violência e do poder — o reino terreno. A insistência deles em libertar Barrabás em vez de Jesus simboliza essa escolha.
Segundo o evangelho de Marcos, Barrabás era um “insurreto” que cometera assassinato durante uma revolta. Era um rebelde político — um insurgente. Josefo frequentemente usava o termo que João emprega para descrever Barrabás — literalmente “aquele que saqueia” — para se referir aos zelotes. O Word Biblical Commentary explica o significado:
Do ponto de vista romano, esses homens eram guerrilheiros que precisavam ser exterminados; do ponto de vista do povo judeu, eram heróis da resistência… Ele provavelmente era um líder entre os que buscavam abrir caminho para o reino de Deus por meio da violência.
Em outras palavras, Barrabás era a personificação da resistência política contra Roma. Ele representava a continuação do sistema mundano baseado na força e na violência.
Os judeus escolheram Barrabás em vez de Jesus. Escolheram o caminho da política e da violência, em vez do caminho da paz. Trocaram o reino de Deus por um reino terreno.
Os judeus colocaram um ponto final nessa escolha quando o sumo sacerdote declarou a Pilatos: “Não temos outro rei senão César.” (João 19:15)
Assim aconteceu que os líderes de Israel, seus capangas e os apoiadores do herói popular pediram a libertação de um homem culpado de agressão política violenta contra o Estado, com direito a assassinato, e exigiram a morte daquele que veio realizar o verdadeiro destino da nação por meio do amor divino todo-poderoso, mas pacífico. (Word Biblical Commentary)
Cerca de 70 anos depois, Jerusalém morreria pela mesma espada que seus líderes haviam abraçado. Os romanos invadiram a cidade e destruíram o templo.
Hoje, nós, cristãos americanos, parecemos determinados a seguir o mesmo caminho dos líderes judeus que exigiram a crucificação de Cristo. Rejeitamos o amor divino de Jesus e seu reino de paz, buscando soluções violentas e políticas impostas pelo Estado. Precisamos lembrar: não podemos servir a dois senhores.